A Palestina do Século I d.C.
A Palestina era, no século I d.C., uma pequena região marcada pela pobreza.1 Porém, era uma região geopoliticamente estratégica, devido à confluência de interesses políticos sírio-fenício-palestinos.2 Os elementos físicos característicos da região eram o deserto, o rio Jordão e os oásis. E geopoliticamente, era caracterizada pelos interesses comerciais e políticos, contrastados com a consciência religiosa dos judeus e sua compreensão de ser um povo liberto por Deus. A prática religiosa judaica fundamentava as relações sociopolíticas na Palestina do tempo de Jesus. A concepção de ser Jerusalém a cidade escolhida por Deus, e que a terra da Palestina era a terra prometida por Yahweh constituíram os dois legados que marcaram os episódios religiosos do Antigo e do Novo Testamento.3 As práticas rituais dos judeus eram fundamentais na compreensão de sua cultura, já que a concepção preponderante era que o pacto entre os judeus e a Divindade incluía a necessidade de obediência às prescrições da Lei – a Torá.4 Os judeus entendiam ser fundamental o cumprimento de todos os preceitos da lei, e isto de forma inflexível. Mudar a relação com a Divindade significaria perder-se da dimensão pactual, perder a identidade religiosa e, por consequência, a identidade cultural De 160 a.C. até 63 a.C., ou seja, durante 67 anos, governaram a Palestina dois reinados judeus diferentes: os Macabeus e os Asmoneus. Assim, a conquista da Palestina pelos romanos ocorre em 63 a.C., marcando o fim da dinastia asmoneia, que já padecia devido às crises internas que a assolavam. A dominação romana perpassou todo o período neotestamentário. Hircano, chamado Antípatro, natural da Idumeia, descendente de Simão Macabeu, foi nomeado procurador pelo imperador romano Júlio César.6 E foi um dos filhos de Antípatro, Herodes, que acabou por fundar a nova dinastia judia, a dinastia dos Herodianos, mantendo assim a região relativamente independente. O governo de Herodes, o Grande, durou entre 37 e 4 a.C.. Governou sobre os territórios da Judéia, Samaria, Idumeia, Galileia e Pereia. Herodes, o Grande, teve o poder de governar a Palestina delegado por Roma, embora não fosse judeu. Após a morte de Herodes, seu reino foi dividido entre seus filhos. Herodes Arquelau herdou de Herodes, o Grande, a Judéia, Samaria e a Idumeia, que governou até o ano 4 d.C.;7 e Herodes Antipas governou as regiões da Galileia e Pereia, de 4 a.C. até 39 d.C.8 Este último é, dentre os soberanos herodianos, o mais mencionado no Novo Testamento.9 Do ano 6 até 41 d.C, a Judéia, Samaria e a Idumeia passaram a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa, descendente de Herodes, governou esta região entre 41 e 44 d.C. Após a dinastia herodiana, a administração voltou às mãos dos procuradores romanos.10 Os procuradores eram funcionários que respondiam diretamente ao imperador de Roma. Este título era dado a diversos funcionários que possuíam atribuições diferentes. Os procuradores palestinos estavam subordinados ao governador da Síria. Entretanto, como representantes diretos do Imperador, detinham poderes civis, de exército e jurídicos. Os procuradores da Judéia residiam em Cesareia, mas em tempos de festas religiosas se transferiam para Jerusalém, já que nestas ocasiões ocorria o maior número de conflitos. Na estrutura do império, o procurador respondia diretamente ao imperador romano.
A Palestina tem por característica ser uma região semiárida, e por ser uma região que não é densamente povoada. No tempo de Jesus, parte reduzida das pessoas, e sobremaneira os habitantes estrangeiros, detinham a posse da maior parte das terras, e havia uma grande quantidade de camponeses pobres.11 Esta polarização econômico-social produzia uma variação no campo ideológico. Não obstante a concepção teocrática de sociedade unificar grande parte das convenções sociais. No tempo de Jesus, a Palestina está imersa numa crise de identidade. De Alexandre, o Grande, e no decorrer dos trezentos anos que se seguiram, a perseguição cultural contra os judeus foi constante. Houve uma forte imigração de judeus que se conformaram com os costumes e hábitos mediterrâneos orientais e egípcios – emigração esta chamada Diáspora. Quase todos os emigrantes judeus eram artesãos e eles voltavam ocasionalmente para Jerusalém, já que o culto sacrificial era restrito ao Templo. Os judeus da Diáspora já não conheciam majoritariamente a língua hebraica, e utilizavam a Septuaginta. Alguns só falavam arameu, que era o idioma corrente, o idioma comum daquela época.12 As duas facções de judeus tiveram disposições distintas no tocante às influências e paradigmas ideológicos. Entre os helenistas, a tradição judaica foi mediada pelo esboço da filosofia neoplatônica.13 A helenização, associada ao desenvolvimento da vida urbana, fez colidir os judeus helenistas com a tradição do mundo hebreu. O efeito mais visível desta influência era a proliferação destes nas cidades, fato que é refletido nos “Atos dos Apóstolos.” A elite instruída dos judeus palestinenses foi substituída por uma minoria intelectual, que tinha representantes como Teodoro, Oenomeu (estóico), Nicolau de Damasco e Flávio Josefo entre outros. O resultado da helenização foi visto na composição do grupo de discípulos após a morte de Jesus, marcada pela tensão cultural entre os helenistas e os judeus, e entre as cidades helenas e os camponeses.
A linguagem oficial dos tribunais era o idioma grego, e não o hebreu, por ser considerado o idioma da alta sociedade. No tribunal de Herodes, a aculturação helenística era patente. Josefo afirma nos seus textos que Herodes ostentou ser mais próximo da cultura grega que da judaica. Na Palestina, o grego passou a ser o 2º idioma, sendo gerado por isto um conflito econômico e ideológico entre os mais pobres, que não conheciam o idioma, e a minoria rica. A cultura imposta era oposta àquilo que fazia parte da vida diária dos mais pobres, e estes eram majoritariamente camponeses. Isto trouxe conflito entre a cidade e o campo.14 Esta grande diferença econômica acaba por culminar na tensão social que provocou a guerra judaica entre os anos 66 e 67 d.C. Os camponeses fortemente empobrecidos pararam de cultivar suas terras e emigraram para as cidades à procura de uma oportunidade. O aumento da população, com a falta ascendente de infraestruturas, culminou em grandes problemas socioeconômicos. Tudo isto foi consequência do processo de dominação romano, segundo afirma Pixley: Um dos propósitos do império em seu controle sobre o território e a população da Palestina era obter riquezas através de um complexo sistema de tributos e impostos. Havia impostos sobre a terra, sobre a população, e direitos de alfândega e pedágio para o uso de pontes e vias. Cobrar os impostos era um negócio que se outorgava por contratos a grandes empresários, que por sua vez empreitavam aos coletores locais de impostos. Para a população judaica existiam ainda os impostos do templo, principal- mente o dizimo sobre a produção do campo e o imposto anual da didraema sobre cada varão. A carga para o camponês comum devia ser verdadeiramente espantosa. 15 Este período também foi marcado pela violência, com vários tumultos e confusões no ambiente urbano. Estas tensões entre as pessoas ricas e as pobres tiveram imbricações políticas.16
O processo final dirigiu-se para a tensão religiosa entre o judaísmo e o paganismo, principalmente entre os paganizantes do judaísmo e os adeptos do judaísmo tradicional. O cristianismo foi influenciado por tradições pagãs, como a afirmação da não necessidade da circuncisão para entrar no grupo de cristãos, e a adoção de um espírito mais universalista. Outros elementos que foram somados ao cristianismo foram a visão cosmológica, ou a identificação da Palavra de Deus, dotada de ação criativa, com o “logos” do platonismo.17 Em um nível mais prático, o contato com o paganismo já significava que os cristãos estavam transgredindo as normas de pureza: Comer com um pagão é um ato sacrílego. Isto pode ser observado nos Atos dos Apóstolos. Esta situação inteira faz parte do contexto em que o cristianismo surge e deve ser analisado. Especialmente importante é, neste sentido, a percepção teocrática do “self”, de Deus, da religião e da vida cotidiana. O Cristianismo é mais uma resposta aos problemas e dilemas do judaísmo do primeiro século, e consiste na flexibilização das questões mais radicais.
A sociedade teocrática judaica é tão abrangente que os movimentos de reação e de alternativa têm caráter religioso. Por isto, a primeira reação ante um problema é o desapego (a emigração), elemento muito importante na Palestina e algo frequente em sua história. Outra reação foi a bandidagem cometida pelos movimentos sociais pré-políticos que não apresentavam outra alternativa social por não se alinharem com o poder político-religioso estabelecido, mas ao mesmo tempo terem exigências claras e mobilização, por vezes dotadas de conteúdo religioso. Um exemplo é a menção da Palestina, pelas autoridades romanas, a partir de grupos ou movimentos específicos, reconhecidos por causa da sua postura diante do poder central. E estes grupos eram referidos como agentes de bandidagem e como ladrões. Sobre isto, afirma Grelot: “Os bandidos: era esse, sem dúvida, o nome dado pelas autoridades a todos os opositores que lutavam na guerrilha contra os partidários de Roma. Barrabás não era um ladrão, mas um guerrilheiro (cf Mc 15,7). Os sicários: a arma favorita dos resistentes era a sica, punhal curvo, fácil de esconder nas dobras das vestes,- daí o nome sicarii, "homens do punhal". Os galileus: a Galileia sempre foi um foco de agitação. A designação "galileus" se aplica especialmente aos partidários de Judas. Os zelotas: simples transcrição do grego, esta palavra evoca o zelo ardente que anima o grupo. Flávio Josefo só fala dos zelotas a propósito da guerra judaica (66- 70 de nossa era). Por isso os historiadores díscutem sobre a homogeneidade dos movimentos de resistência que se manifestaram na Palestina.”19 Esta configuração social da Palestina proporcionou a emergência de partidos e movimentos de natureza religiosa e política. Na sociedade judia existiam duas correntes religiosas que expressam maior influência na religião judaica: os saduceus e os fariseus. Junto a elas existem dois movimentos de natureza messiânica com posicionamento oposto ao status quo religioso ou civil: os sicários, os zelotas, e os essênios.
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Notas:
1 A Palestina foi duramente penalizada no período dos romanos. O empobrecimento progressivo da Palestina foi intensificado devido ao sistema de tributação e dominação romana, que não possibilitava a sobrevivência dos pequenos proprietários. É preciso entender, neste sentido, que “as mudanças econômicas na Palestina desde a supremacia romana podem, pois, ser caracterizadas, conforme Applebaum, como "falta aguda de solo", isto é, “como redução da área de cultivo agrícola per capita da população." Cada vez mais pessoas eram forçadas a sobreviver com cada vez menos terra. Em consequência disso, desfizeram-se as formas tradicionais de assentamento. Embora a área do solo cultivado se ampliasse continuamente, um número crescente de pequenos agricultores cultivavam cada vez menos terra. Endividamento e desapropriação dos pequenos agricultores são, pois, a característica desta época romana.” In: STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus, 2004. p. 136. Não havia defesa nem previdência para o povo da palestina. Em caso de doença, má colheita, pragas ou outros desastres, o povo ficava sem ajuda. No sistema anterior havia o clã, a comunidade, que era a proteção das pessoas e das famílias. No sistema implantado pelo governo de Herodes Antipas, isto já não existia mais, ou cada vez menos. Agora, a primeira preocupação do agricultor era esta: juntar o necessário para pagar os impostos ao governo e os dízimos ao Templo, e separar da colheita à parte que devia servir como semente para a próxima colheita. Ao todo, mais da metade da produção. O pouco que sobrava tinha que ser o suficiente para manter a família. A consequência disto foi o empobrecimento progressivo da região. 2 A posição geopolítica das cidades e regiões faz delas lugares potencialmente propensos à invasões. Objetivos estratégicos, econômicos e políticos: servem para guardar passagens de grandes vias de comunicação, tornam-se lugares de comércio e atraem os nômades para as suas vizinhanças, fazendo deles camponeses que sustentarão as cidades. Todos estes elementos estavam presentes na Palestina. Um exemplo claro é o período de dominação grega. Sobre este, afirma Sicre: “A Palestina, dada sua excelente posição estratégica e comercial, será vítima das invejas e lutas entre estas famílias que disputam sua posse. Durante o século III dominam os Lágidas- durante o 11, os Selêucidas.” In: SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento. (trad. Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes, 1999. p. 316. 3 A partir desta consciência, são estabelecidos os dois tipos de líderes judaítas desde a época de Davi. Há os "anciãos de Judá" (ziqnê y'hûdâh), líderes tribais das várias cidades e aldeias judaítas e os "anciãos da casa" (ziqnê bayit), representantes do poder da corte davídica de Jerusalém. Diferente do norte, onde o poder real se constitui a partir das lideranças tribais, o poder de Jerusalém constrói sua própria base, independente dos líderes tradicionais. BETTENZOLI, G., Gli Anziani in Giuda, em Biblica 64 (1983), pp. 211-224; Gli Anziani di Israele, em Biblica 64 (1983), 4 A Lei fundamenta a religião judaica, sendo marca da identidade cultural e ideológica na Palestina. Na sua formação, a Lei foi dotada de dinâmica, em conformidade com as necessidades sociais, conforme afirma Claus Westermann: “Do retrospecto sobre a evolução legislativa no Antigo Testamento têm-se compreensão mais adequada da relação entre preceito e lei. Ligadas à história, as leis estão sujeitas à alteração constante conforme é provado em face dos adendos e complementos a muitas leis. Em momento nenhum existiu em Israel lei transcendental. Nem mesmo a subordinação das leis sob a teofania sinaítica anulou a vinculação com a história concreta na sua evolução até arrematar na comunidade cultual.” WESTERMANN, Claus, Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. (trad. Frederico Dattler). São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 204. A sedimentação da Lei deu-se diante do desafio da cristalização da identidade cultural da Palestina, diante dos desafios do exílio e do pós-exílio. A partir daí, a tradição veterotestamentária afirma que não obedecer a lei é descrito, em Dt 13.14 ("Por esses dias apareceu em Israel uma geração de perversos (paránomoi) que seduziram a muitos com estas palavras: 'Vamos, façamos aliança com as nações circunvizinhas, pois muitos males caíram sobre nós desde que delas nos separamos'. Agradou-lhes tal modo de falar. E alguns de entre o povo apressaram-se em ir ter com o rei, o qual lhes deu autorização para observarem os preceitos (dikaiômata) dos gentios") perder a identidade. O termo paránomoi indica, segundo Dt 13,14, pessoas que fazem propostas de apostasia da Lei. Daí que "fazer aliança com as nações" indica renegar a Lei e seguir costumes gentios. Também o dikaiômata tôn éthnôn (preceitos dos gentios) é significativo. Dikaíôma é usado pelos LXX para traduzir o hebraico derek ou mishpat (caminho, direito) significando obrigações legais. Observar os preceitos dos gentios significa, portanto, abandonar as normas da Lei e seguir leis gentias Cf. SAULNIER, C., Histoire d'Israel III, pp. 110-111. Não obstante isto, a observação estrita da Lei concede aberturas para o entendimento da misericórdia de Deus em caso de inobservância, e também da possibilidade de adoção da Lei por parte dos gentios. Segundo Otto, “mesmo se Israel fracassar no cumprimento da vontade divina (Lv 17-26), a expiação, como dom gratuito de Deus, lhe é acessível (Lv 16), Em Dt 4, como conjugação de Dt com o Tetrateuco (de redação sacerdotal), prepara-se (Dt 4,6) urna identificação entre a Lei e a Sabedoria, que será desenvolvida em Sr 24. A sabedoria de Deus, já ao lado de Deus na Criação, encontra em Sião a sua morada e na Lei de Israel sua mais válida expressão. Com isso colocou-se o fundamento pane ultrapassando o Sirácida, afirmar a validade universal da Lei para todos os povos.” OTTO, E. , Lei (In: BAUER, Johannes B., Dicionário Bíblico-Teológico. (trad. Fredericus Antonius Stein). São Paulo: Loyola, 2000. p. 230. 5 Provavelmente o exemplo mais marcante de confronto advindo do risco da perda da identidade cultural tenha sido a repressão à cultura judaica feito por parte de Antíoco Epifanes IV. Este, “não satisfeito com estas medidas repressivas, Antíoco IV construiu ao sul do templo uma cidadela chamada Acra, colônia de pagãos helenizantes e de judeus renegados, com constituição própria; até Jerusalém era considerada provavelmente como território desta 'polis'. Além disso, erigiram-se santuários pagãos por todo o país e se ofereceram neles sacrifícios de animais impuros; os judeus foram obrigados a comer carne de porco sob pena de morte, bem como a participar de ritos idolátricos. Como coroamento de tudo, em dezembro de 167 foi introduzido no templo o culto a Zeus Olímpico. Os judeus piedosos não puderam suportar estas ofensas contínuas à sua religião e se negaram a obedecer estas normas. Antíoco respondeu com uma cruel perseguição. É quando estoura a revolta dos Macabeus. Líder inicial é o ancião Matatias, apoiado pelos 'hassidim' (os 'piedosos', de que descendem os fariseus e os essênios). Quando morre, depois de poucos meses, sucede-lhe o filho Judas (166-160), e mais tarde os irmãos deste, Jônatas (160-143) e Simão (143-134). A dinastia se completa com João Hircano 1 (134- 104), Alexandre janeu (103-76, Salomé Alexandra (76-67) e Aristóbulo 11 (67-63).” In: SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento. (trad. Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes, 1999. p. 317. A revolta foi motivada porque estas afrontas feitas por Antíoco, é, “aos olhos dos judeus fiéis à lei, um sacrilégio horrendo (1 Mac 1.16-28; 2 Mac 5.15s.).” In: DONNER, Herbert, História de Israel e dos Povos Vizinhos: da época da divisão do reino até Alexandre Magno. (trad. Cláudio Molz e Hans Trein). São Leopoldo: Sinodal, 1997. p. 506. A razão da inserção de Zeus por parte de Antíoco foi motivada pela necessidade de desagregar culturalmente os judeus e manifestar sua autoridade, já que “Zeus representava os valores do poder e da autoridade; o epíteto Olímpico recordava suas prerrogativas sobre as outras divindades e seu aspecto uraniano (isto é, de deus do céu); na Síria ele fora assimilado a Baal Shâmin, deus soberano, senhor das tempestades e da fecundidade. Tais aspectos podiam aparentemente aproximá-lo de Iahweh que, desde a época persa, era designado nos textos judaicos como "o Deus dos céus". Nestas condições, podemos admitir que Antíoco IV quisesse introduzir em Jerusalém uma divindade sincrética, que permitisse a judeus, sírios e gregos reconhecer nela a emanação de um deus soberano" SAULNIER, C., A revolta dos Macabeus, p. 26. A introdução deste culto no Templo foi nominada "abominação da desolação", segundo Dn 11,31. 1Mc1,54-57.64 assim descreve a "abominação da desolação" e fez nascer a revolta contra o sistema político de Antíoco. 6 Há grande controvérsia quanto à identidade de Antípater. Flávio Josefo, citando Nicolau de Damasco, diz que Antípater seria um dos judeus descendentes dos exilados babilônicos. Mas Josefo mesmo considera falsa esta informação. É a seguinte a informação de Flávio Josefo: "Nicolau de Damasco fá-lo descender de uma das principais famílias de judeus que vieram da Babilônia para a Judéia, mas ele o diz em favor de Herodes, seu filho, que a fortuna elevou depois ao trono de nossos reis, como veremos a seu tempo" JOSEFO, F., Antiquitates Iudaicae XIV, 9.. Nicolau de Damasco é um historiador nascido, por volta de 64 a.C., em Damasco, de uma família importante, pois se sabe que seu pai exerce altas funções políticas na cidade. Nicolau torna-se, em 14 a.C., amigo e conselheiro de Herodes Magno. Além de escritor prolífico, Nicolau é também retor e diplomata, representando Herodes em negociações decisivas. A partir desta sua ligação com Herodes Magno, um idumeu que se torna rei dos judeus, compreende-se sua colocação a respeito de Antípater. Cf. STERN, M., Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, pp. 227-260; SCHÜRER, E., Storia del popolo giudaico al tempo di Gesù Cristo I, pp. 56-62. . Flávio Josefo acredita que Antípater seja mesmo um idumeu, de origem nobre: "Ele era idumeu e o mais poderoso de sua nação, quer pela sua descendência, quer pelas suas riquezas e por seu próprio mérito" JOSEFO, F., Bellum Iudaicum I, 123. . Há outras notícias sobre este personagem. Segundo Eusébio de Cesareia, citando Júlio Africano, Antípater é da cidade de Ascalon, mas acaba sendo criado entre os idumeus, o que confirma a opinião de Josefo a respeito de sua nacionalidade, embora divirja quanto a outros dados. Diz Eusébio: "Salteadores idumeus chegaram de surpresa a Ascalon, cidade da Palestina, e levaram da capela de Apolo, construída perto da muralha, o pequeno Antípater, filho de um hieródulo, Herodes, com o resto dos despojos, e o mantiveram preso. Como o sacerdote não podia pagar o resgate pelo filho, Antípater foi educado segundo os costumes idumeus e, mais tarde, Hircano, sumo sacerdote da Judéia, interessou-se por ele"[43] . Ainda segundo Flávio Josefo, Antípater é, na época do conflito entre Hircano e Aristóbulo, o estratego (= governador militar) da Idumeia, como o fora seu pai, também de nome Antípater, este nomeado para o posto por Alexandre Janeu. EUSÉBIO, Historia Ecclesiastica I, VII, 11. Eusébio vive entre 263 e 339 d.C. e é bispo de Cesareia, na Palestina. Escreve uma importante "História Eclesiástica", em 10 livros. Sobre a origem de Antípater, cf. também SCHÜRER, E., Storia del popolo giudaico al tempo di Gesù Cristo I, pp. 300-301, nota 3. 7 Arquelau é deposto por Augusto no ano 6 d.C., por causa das numerosas arbitrariedades que comete, entre elas a troca indevida de sumos sacerdotes. Uma delegação de judeus influentes vai a Roma falar com o Imperador e é atendida. A Judéia, a Samaria e a Idumeia passam, então, a ser governadas diretamente por procuradores romanos. A capital da província passa a ser Cesareia 8 Herodes Antipas constrói, no ano 17 d.C., a capital de sua tetrarquia às margens do lago de Genezaré e chama-a de Tiberíades, em homenagem ao Imperador Tibério. É muito amigo dos romanos e parecido com o pai. Casado com uma filha do rei nabateu Aretas IV, Herodes Antipas acaba por repudiá-la e casase com Herodíades, mulher de seu irmão Felipe. Isto lhe custa uma represália do rei nabateu Aretas IV, que, para vingar a filha, ataca Antipas, derrotando-o em 36 d.C. 9 Cf. Lc. 3:1; 9:7-9; 13: 31-32; 23: 7-12; Mt. 14: 1-12. 10 Herodes Agripa I, amigo de juventude de Calígula (37-41 d.C.), recebe deste a tetrarquia de Felipe, com o título de rei (37-44 d.C.). Dois anos depois, ao ser desterrado Antipas, recebe sua tetrarquia e as terras de Abilene, tetrarquia de Lisânias. Em 41, quando Calígula é feito Imperador, Herodes Agripa I torna-se também rei da Judéia, Samaria e Idumeia. Torna-se, assim, rei de um território tão grande quanto o de seu avô, Herodes Magno. É judeu observante e piedoso, amigo dos fariseus. Começa a construção da terceira muralha de Jerusalém, que tornaria a cidade simplesmente inexpugnável. Contudo, não pôde concluí-la, pois o Imperador, alertado pelo governador da Síria, proíbe-o de continuar a obra. Morre repentinamente no ano 44 d.C., em Cesareia8 Herodes Antipas constrói, no ano 17 d.C., a capital de sua tetrarquia às margens do lago de Genezaré e chama-a de Tiberíades, em homenagem ao Imperador Tibério. É muito amigo dos romanos e parecido com o pai. Casado com uma filha do rei nabateu Aretas IV, Herodes Antipas acaba por repudiá-la e casase com Herodíades, mulher de seu irmão Felipe. Isto lhe custa uma represália do rei nabateu Aretas IV, que, para vingar a filha, ataca Antipas, derrotando-o em 36 d.C. 9 Cf. Lc. 3:1; 9:7-9; 13: 31-32; 23: 7-12; Mt. 14: 1-12. 10 Herodes Agripa I, amigo de juventude de Calígula (37-41 d.C.), recebe deste a tetrarquia de Felipe, com o título de rei (37-44 d.C.). Dois anos depois, ao ser desterrado Antipas, recebe sua tetrarquia e as terras de Abilene, tetrarquia de Lisânias. Em 41, quando Calígula é feito Imperador, Herodes Agripa I torna-se também rei da Judéia, Samaria e Idumeia. Torna-se, assim, rei de um território tão grande quanto o de seu avô, Herodes Magno. É judeu observante e piedoso, amigo dos fariseus. Começa a construção da terceira muralha de Jerusalém, que tornaria a cidade simplesmente inexpugnável. Contudo, não pôde concluí-la, pois o Imperador, alertado pelo governador da Síria, proíbe-o de continuar a obra. Morre repentinamente no ano 44 d.C., em Cesareia.
11 “A expressão mais clara desse desenvolvimento é a concentração da posse da terra na mão de poucos latifundiários. Ela determinava - talvez com uma exceção parcial na época hasmonéia - a situação econômica da Palestina inclusive no período romano.” STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang, História Social do Protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. (trad. Nélio Schneider). São Paulo: Paulus, 2004. p. 131
12 Tassin afirma que as causas da Diáspora são muitas e variadas: “As causas da Dispersão, deportações, superpopulação, perseguições, decorrem das leis habituais da emigração. Entre os motivos, estaríamos errando se insistíssemos no „gênio comercial‟ do judaísmo; este traço quase não é enfatizado antes da Idade Média. Em contrapartida, evitemos negligenciar o fator militar: numerosas colônias judaicas, semi-soldados, semi-agricultores, foram colocadas nas fronteiras dos impérios sucessivos, como a colônia de Elefantina, ao sul do Egito, cuja existência atestam papiros que falam de sua presença ali desde o século VI: Elefantina fala o aramaico, possui seu templo e seu clero, para um culto mais sincretista, e mantém com a Palestina relações de dependência religiosa. É que a Diáspora olha para Jerusalém (Dn 6,11).” In: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988. pp. 14-15.A comunidade judaica da Diáspora manteve, em termos gerais, uma identidade com o judaísmo, o que permitiu a existência deles como povo não obstante estarem fora da Palestina. Segundo Volkmann, a unidade entre os judeus da Diáspora e os demais foi preservada por vários elementos de identificação cultural. Diz Volkmann: “O que mantém a unidade desta comunidade tão diversificada e tão dispersa são cinco fatores, que se desenvolveram justamente a partir do exílio e da constituição da comunidade templária, especialmente sob a influência de textos elaborados entre os exilados, com destaque para o grupo sacerdotal: a) tributo e ofertas para o Templo; b) peregrinações para Jerusalém; c) o culto nas sinagogas aos sábados; d) calendário de festas; e) ligação organizada entre Jerusalém e a Diáspora, principalmente através da entrega do tributo e das peregrinações.” VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal, 1992. p. 8. Somase a estas vinculações entre os judeus da Diáspora e os da Palestina, elementos de diferenciação do rupo em relação ao ambiente social em que estavam inseridos: “O domínio e a pureza do corpo supõem estreitos limites sociais não só para os judeus que mantinham fidelidades sectárias especiais e que por isso se isolavam dos outros, judeus latitudinários, mas também até certo ponto para todos os judeus que desejam preservar sua identidade em cidades de Diáspora. Filon expõe sucintamente a situação deles em sua interpretação (citada anteriormente no capítulo 1) da profecia de Balaão: Israel não poderá ser prejudicado pelos seus adversários enquanto for "um povo que habita sozinho" (Nm 23,9), "porque, em virtude da distinção decorrente de seus costumes peculiares, eles não se misturam com outros, evitando afastar-se dos caminhos de seus pais”. Os mais importantes Acostumes peculiares" eram a circuncisão, kashrut, a observância do sábado e a proibição de rituais cívicos que implicassem o reconhecimento de deuses gentios.” MEEKS, Wayne A., Os Primeiros Cristãos Urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. (trad. I.F.L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1992. p. 153. O foco da diferenciação social era a Escritura, que sempre foi “o núcleo principal para a interpretação da própria sobrevivência de Israel na diáspora, a fonte necessária para reler a história à luz dos acontecimentos presentes no mundo.” In: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus, 1998. p. 43. Esta era lida e compreendida no ambiente sinagogal, que “consolidava particularmente a unidade dos membros da Diáspora, assegurando-lhes lugar público de expressão da sua fé, de educação para a Lei e para as práticas judaicas.” In: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988. p. 49. 13 “Sob tais pressões, muitos judeus abandonaram o apego a uma identidade distinta como povo da aliança, assimilando-se à cultura greco-romana. Esse fato se mostra de maneira superficial já na adoção de nomes gregos - prática que encontramos entre muitos cristãos das origens, inclusive alguns discípulos de Jesus.” In: KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas, 1983, p. 35.
14 “Como as cidades crescessem em número e poder, suas relações com o campo se foram tornando cada vez mais ambivalentes. Uns dependiam dos outros, mas sob todos os aspectos de vantagens físicas e sociais a simbiose era unilateral e sempre favorecia a cidade.” MEEKS, Wayne A., Os Primeiros Cristãos Urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. (trad. I.F.L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1992, p. 29. 15 PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6 a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes, 1999, p. 123. 16 Pixley afirma que estes conflitos alcançaram tanto a cidade quanto o campo. Ele afirma: “Nos anos seguintes houve diversos incidentes em que a população, tanto urbana como rural, protestou contra os abusos de poder por parte das autoridades. Tibério Alexandre, procurador de 46 a 48 d.C., sentenciou e crucificou Tiago e Simão, filhos de Judas o Galileu, ainda que Josefo não nos informe sobre suas atividades revolucionárias (Ant XX, 102).” Ver: PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes. 1999, p. 130. Scardelay ainda afirma que a Galiléia era o principal centro de resistência, sendo: “(...) considerado o centro centrífugo de movimentos da resistência judaica, cujas manifestações mais radicais e organizadas ocorriam em Jerusalém durante as festividades do calendário religioso judaico. Entre os focos de movimentos rebeldes mais conhecidos estão situados os zelotas, cujo aparecimento ocorreu durante o início da conquista da Judéia pelos romanos, em 66-67 d.C.” Ver: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus. 1998, pp. 240-241. Ou seja: a dominação romana causou desde o princípio descontentamento tanto na cidade quanto no campo, tanto na Galileia quanto em Jerusalém. Porém os mais pobres se mobilizaram mais frequentemente. Esta mobilização é comentada por Theissen: “Quando, porém, uma sociedade se sente ameaçada e insegura, ela geralmente recorre a comportamentos tradicionais. Valores sagrados da nação são enaltecidos de forma provocadora. Intensifica-se a separação de tudo o que é estrangeiro.” Ver: THEISSEN, Gerd, Sociologia do Movimento de Jesus. 2a ed. (Werner Fuchs e Annemarie Höhn). São Leopoldo: Sinodal. 1997, p. 91. 17 A influência helenista no judaísmo e no cristianismo foi consequência inevitável do contato com a cultura dos dominadores. Tanto os gregos, quanto os romanos, estabeleceram sua influência cultural, numa iniciativa que buscava diminuir as resistências dos povos dominados. O início desta influência cultural não foi pacífico, mas foi realizada através da mudança de paradigmas culturais importantes. Pixley afirma: “A organização secular dos camponeses em aldeias, com seus próprios conselhos de anciãos, foi violada no século III com a fundação de cidades de estilo helenístico no território da Palestina e a introdução da propriedade privada da terra.” Ver: PIXLEY, Jorge, A História de Israel a Partir dos Pobres. 6a Ed. (Trad. Ramiro Mincato). Petrópolis: Vozes. 1999, p. 119. Além disto, até mesmo a expressão “judaísmo” foi estabelecida a partir do contraste da cultura dos judeus e dos gregos. Segundo Tassin, “o termo judaísmo parece ter sido forjado pelos judeus de língua grega para se definirem em face do helenismo. Encontramos o termo pela primeira vez em 2 Mc 9 por volta de 150 a.C.). Em 2 Mc 2,21 o autor evoca „os que generosamente realizaram façanhas pelo judaísmo a ponto de porem em fuga as hordas bárbaras‟. Ironia da linguagem! Pois são os judeus que os helenistas qualificam de „bárbaros‟. Aqui, como em 2 Mc 8,1, o termo „judaísmo‟ abrange a fé, os costumes e o enraizamento étnico que caracterizam a identidade judaica. 2 Mc 14,37-38 apresenta certo Razis que „havia incorrido em condenação por professar o judaísmo e pelo judaísmo se expusera com toda constância já no período precedente à revolta‟. Encontram-se aí as mesmas harmonizações. Acrescentemos ainda 4 Mc 4,26 (escrito no século I d.C. ou anterior) onde comer alguma coisa impura equivale a „abjurar ao judaísmo‟. Em todos estes textos, o contexto é polêmico: ele não evoca apenas a fidelidade à autenticidade judaica, mas também a luta contra aquilo que a ameaçaria.” Ver: TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas, 1988, p. 25. Para mais exemplos do intercâmbio cultural e conflitos entre o judaísmo e o helenismo, ver as seguintes obras: a) Le Goff, J., El Nascimiento del Purgatorio, Madrid, Taurus, 1981, pp.18, 69-80. b) Lévêque, P., O Mundo Helenístico, Lisboa, Ed, 70, 1988, pp.123-148. c) Eliade, op. cit., pp. 42-71. d) Simon e Benoit, Judaísmo e Cristianismo Antigo. São Paulo. Pioneira/Edusp. 1987, pp.237-43. 18 Uma destas questões é a relação ente homens e mulheres. No judaísmo, esta era uma questão por demais drástica. A comunidade cristã, por ser menos restrita, valorizava a figura feminina de forma paralela àquela que era feita nos cultos gregos. Cf. Robin Scroggs, "Entrar na comunidade cristã significa, portanto, filiar-se a uma sociedade na qual funções do tipo homem-mulher, e avaliações baseadas nestas funções, têm sido descartadas" ("Women in the NT" em The Interpreter‟s Dictionary of the Bible, volume suplementar [Nashville: Abingdon Press, 1976] 966). 19 GRELOT, P., Jesus. In: VVAA, Libertação dos Homens e Salvação em Jesus Cristo: 1a parte. [trad. Benôni Lemos]. São Paulo: Paulinas. 1981, p. 64.
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