Os Essênios

 Os Essênios 





Os essênios surgiram dois séculos antes de Jesus, e estão incluídos entre os movimentos messiânicos de natureza sacerdotal, já que grande parte do grupo é formado por membros do baixo clero.1 O grupo foi formado em torno de um líder carismático (o Mestre da Justiça), e seus membros gozam de certo bem-estar (mantém boas relações comerciais e econômicas), e têm obsessão pela pureza ritual. Acreditam radicalmente na predestinação, tendo tendências fatalistas, o que os faz permanecerem afastados do convívio de outros grupos. 

Sobre isto afirma Michaud:

 “Os qumranianos teriam seguido um sacerdote de alta categoria chamado Mestre de Justiça que teria recebido por revelação divina a correta interpretação dos textos bíblicos. Com a força desta inspiração, ele apresentava essas ideias novas sobre a prática da Lei, a iminência dos últimos dias, o antigo calendário bíblico solar (oposto ao calendário lunar adotado à época helenística), a imperfeição do Templo atual e do culto que nele se celebrava. Esta teoria, que é sem dúvida a última palavra sobre o assunto, resolve a maioria das dificuldades levantadas contra a hipótese essênia. Deste ponto de vista, se os sectários de Qumran constituíam urna das formas do essenismo, não se pode dizer que todos os essênios viviam em Qumran ou em comunidades semelhantes. Josefo (GJ 2, 124) e Fílon de Alexandria (Hypothetica ou Apologia pro Judaeis 1 1, 1) já haviam notado a presença de essênios fora de Qumran. Presença até mesmo em Jerusalém, onde Josefo (Gf 5, 145) menciona a existência de uma Porta dos Essênios, indicando que essênios ocupavam talvez todo um bairro da cidade. Mas também num bom número de aglomerações do país. O número de quatro mil membros aventado por Filon (Quod omnis probus, 75) e Josefo W 18,20), e que se aproxima dos seis mil fariseus mencionados por Josefo no tempo de Herodes, ultrapassa evidentemente as capacidades do próprio local de Qumran e de seus arredores. O fato de terem sido encontrados esqueletos de mulheres e de crianças em cemitérios de Qumran (na verdade, foram encontrados três cemitérios em Qumran: um grande, de mais de mil túmulos, contendo somente restos masculinos, e dois pequenos, onde também foram encontrados restos de mulheres e de crianças), quando os essênios, segundo Fílon, Plínio e Josefo, viviam num completo celibato, também pode ser explicado por este desvio do movimento (...).2 

Os essênios denominam a si mesmos de “pobres de espírito”, acreditam na imortalidade (junto a Deus), mas não acreditam na ressurreição do corpo.3 Para eles, a alma é uma parte de Yahweh. Acreditam no valor precioso para a salvação da morte por meio do martírio em nome de Deus.

4 1 LAPERROUSAS, E. M., Os Manuscritos do Mar Morto, São Paulo. Ed. Cultrix. 1983, pp. 166-168. 2 MICHAUD, Jean-Paul. A Palestina do Primeiro Século. In: MAINVILLE, Odette (Org.), Escritos e Ambiente do Novo Testamento. (trad. Lúcia Mathilde). Petrópolis: Vozes. 2002, p. 54. 3 VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 98. 4 KEE, H. C., As Origens Cristãs: em perspectiva sociológica. (trad. J. Rezende Costa). São Paulo: Paulinas. 1983, p. 33.


O messianismo essênio cultivou relações com o movimento de Jesus de forma mais íntima num período posterior à morte do mesmo, e a ressurreição passou a ser um elemento essencial da crença essênia. Os essênios criam que o novo mundo emergiria, trazido pelo próprio Deus, e surgido através da luta e vitória dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas.5 Ainda que as diferenças entre os essênios e o grupo de Jesus sejam numerosas, existem analogias entre os grupos, devido ao contexto em que se inserem e porque procedem de um tronco comum. Alguns essênios, ao ser destruída Qumram e o Templo nos anos 60 d.C., uniram-se ao movimento de Jesus; é por isso que alguns autores explicam as similitudes em expressões e rituais, mas é difícil delimitar quais são as influências essênias e quais as judaicas no cristianismo. Depois da queda do Templo, o judaísmo tornou-se mais dogmático e, a partir do ano 70, os judeus foram mal vistos pelos romanos devido à revolução. A concepção romana de que os judeus eram traidores fez os cristãos começarem a querer se diferenciar dos grupos judaicos, inclusive dos essênios. Além das influências dos grupos religiosos, o Cristianismo também tem, em seus elementos ortopráticos e ideológicos, pontos de contato com o judaísmo normativo, e isto porque o próprio Jesus não rompeu definitivamente com o judaísmo.6 No princípio, o cristianismo foi um fenômeno intrajudeu, mas depois se tornou independente, devido às diversas tendências que se criaram entre os cristãos. É um fenômeno sociorreligioso que deve ser analisar não apenas pelo desenvolvimento da teologia cristã, mas também pelos caminhos sociológicos e antropológicos do cristianismo. Jesus é um judeu observante da Lei, que se comporta como um doutor da lei ou um profeta itinerante, cujo fim era fazer chegar os textos sagrados aos pobres (bem-aventurados) com propostas radicais dentro de seu círculo. Não recusa aos impuros, pois entende que não estava dentro das suas possibilidades econômicas ascender socialmente. Não tratava questões meramente rituais com 

 5 “No fundo trata-se de uma rivalidade entre grupos sacerdotais. Em última análise, a comunidade se mantém pura e preparada para a batalha final entre os filhos da luz e os filhos das trevas e para, após a vitória, reassumir o culto no Templo'. A isso está associado o outro aspecto: a expectativa messiânica. Os "homens da aliança" se encontram no meio do combate entre a luz e as trevas "até que venham o profeta e os messias de Arão e de Israel"'. Essa tripla esperança messiânica - também o profeta é uma figura messiânica, porque os profetas, como os reis, são considerados "ungidos" - é um aspecto peculiar dos essênio (s...).” VOLKMANN, Martin, Jesus e o Templo. São Leopoldo: Sinodal. 1992, p. 125. 6 O próprio Jesus foi, portanto, “(...) judeu e, como tal, manteve relações diretas de obediência à Lei de Moisés, ao Templo, além de estar essencialmente ligado ao povo e à Terra de Israel, os quais Jesus amou tanto e no meio do qual ele exerceu toda sua atividade.” In: SCARDELAI, Donizete, Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: Jesus e Outros Messias. São Paulo: Paulus. 1998, p. 238.

rigor, como a questão dos alimentos, e a forma como a lei exigia que fossem tratados. Não foi herético, nem rebelde, mas zeloso com algumas normas de pureza judaica. Jesus também pode ser visto como um polemista judeu por sua alta compressão da Torá, que está no nível da compreensão dos fariseus sob o ponto de vista dos seus contemporâneos, com a diferença que ele podia ter optado por mover-se num espaço privilegiado, mas preferiu dedicar-se aos marginalizados.7 Os evangelhos apresentam Jesus introduzindo nenhuma teologia distinta da que já existia no judaísmo, nem em sua vida pública, até sua morte. Por isto, o cristianismo não consistia num novo culto, nem um atentado contra a lei estabelecida, e nem uma nova visão cosmo-histórica como a da comunidade de Qumram, nem propunha outro calendário (até aquele momento). No início, o cristianismo era uma parte do judaísmo e era herdeiro do mesmo. As etapas mais importantes da vida de Jesus eram vistas de forma semelhante a de outros personagens bíblicos.8 Quando o Cristianismo se cindiu do judaísmo e descobriu suas próprias respostas à crise desta religião depois da destruição do Templo, assumiu outras influências de tradição clássica como a grega (por exemplo, o “logos”, sendo posta em segundo plano a figura de Yahweh e também de outras comunidades como as de Qumram). Por fim, o movimento de Jesus é uma renovação explicável. Jesus se separou do grupo de João Batista antes de sua morte e também levou seguidores com ele. A destruição do Templo será sempre um ponto de referência pois supôs a separação da arca da aliança. O cristianismo foi para Roma, já que na urbe passava mais despercebida a fé cristã. Utilizamos a palavra movimento para definir a um grupo que tem um líder carismático e situa-se à margem das estruturas políticas – e às vezes é contrário a elas – e do funcionamento econômico, com princípios excêntricos, com os quais se preocupa de forma imediata. É um grupo socialmente qualificado e com uma breve duração no tempo, a não ser que se institucionalize, como foi o caso do cristianismo.

9 7 MANSON, T. W., Ética e Evangelho. (Trad. Daniel Costa). São Paulo: Novo Século. 2000, p. 56. 8 VELASCO, Rufino, A Igreja de Jesus. (Trad. Nancy B. Faria e Wagner de Oliveira Brandão). Petrópolis: Vozes. 1996, p. 38. 9 TASSIN, Claude. O Judaísmo: do Exílio ao tempo de Jesus. (trad. Isabel F. L. Ferreira). São Paulo: Paulinas. 1988, p. 25

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